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Foto do escritorIpê Amarelo Ateliê

Análise simbólica de filme: O poço


É um filme espanhol de suspense dirigido por Galder Gaztelu-Urrutia. A trama está em torno de uma prisão denominada Centro Vertical de Autogerenciamento com o objetivo de promover solidariedade espontânea, cuja arquitetura é organizada por diversos andares e a distribuição de alimentos é realizada de cima para baixo.


O filme se propõe a retratar um cenário de desigualdade social e do comportamento humano diante de situações em que sua sobrevivência é colocada em risco. A partir do nosso ponto de vista, a frase de um dos personagens (Zorium) "Existem três tipos de pessoas: as de cima, as de baixo e as que caem" ilustra a questão da diferença de classe e desigualdade social.


Consequentemente, o filme traz uma metáfora social e coloca em questão o paradigma: justiça x igualdade. Uma das primeiras propostas colocadas pelo autor principal (Goreng) é a do racionamento dos alimentos, que cada um coma somente o necessário para que sobre alimento aos que estão abaixo, mas logo percebe a inviabilidade diante do desconhecimento sobre a quantidade de pessoas e andares que existiam abaixo dele. Já ao final do filme, após ter vivenciado situações em diferentes níveis, nos quais teve acesso à exagerada quantidade de alimento e até ter sido completamente privado da alimentação, ele se propõem, junto de Baharat à privar os 50º primeiros andares de alimento a fim de que as chances aumentassem de conseguir distribuir à todos. Isto nos leva a refletir acerca das questões de justiça e coletividade enquanto exercício de empatia na tentativa de racionamento e, ao mesmo tempo, nos mostra a necessidade do auxilio de outros, no caso do Baharat, para colocar em prática seu plano.


Transpondo o conteúdo concreto do filme para a compreensão metafórica e psicológica, o filme possibilita algumas reflexões, dentre elas é possível associar o mecanismo do poço às instâncias psíquicas consciente e inconsciente, nas quais os andares superiores ilustram as características mais racionais associada à consciência e por outro lado, quanto mais profundo, mais parece representar os aspectos inconscientes, mais primitivos, selvagens e obscuros do ser humano. Entendemos que esse processo se deu devido à experiência prévia de Goreng ter passado por outros andares e na medida que se propõe a racionar os alimentos e quebrar o mecanismo do poço, então ele precisa descer para andares mais profundos em uma atitude empática e de ampliação da consciência sobre aspectos mais profundos de si mesmo e do sistema que está inserido, sendo que essa experiência é necessária para que ele pudesse encontrar a menina e a panna cotta enquanto mensagem de esperança para transformação.


Uma vez que ele desce até as profundezas do poço, nesse processo metafórico e concreto de aprofundamento, é que ele pode ser surpreendido pela criança e vislumbra nela um recurso de mensageira e salvadora. Sobre isto, temos na psicologia analítica a compreensão coletiva da representação interior de uma "criança divina" enquanto recurso psicológico que apresenta o potencial criativo em situações de desesperança tanto no filme quanto nas vidas subjetivas. Desta forma, simultaneamente, entendemos que se trata de um convite para a transformação desse sistema, para que seja repensado a fim de cuidar da sobrevivência e qualidade de vida das próximas gerações. Somado a isto, depara-se com a importância de se aproximar das características advindas dessa criança divina enquanto aspectos novos da psique, que se renova e promove as mudanças individuais e coletivas.


Essa dinâmica em nível inconsciente ocorre de forma espontânea, mas na medida que isso emerge, por exemplo, na expressão e provocação trazida pelo próprio filme, esse conteúdo é trazido à consciência e representa um convite para que essas mudanças sejam também intencionais e não somente espontâneas, assim como na fala de Goreng de que "as mudanças não são espontâneas".


Por fim, uma última associação que compreendemos é a de que o personagem Goreng, poderia representar o personagem Dom Quixote, enquanto uma figura sonhadora e idealizadora. Em contrapartida, seu primeiro colega de cela, poderia representar o companheiro Sancho Pança, que é uma figura mais realista e racional. A esse respeito, destaca-se as polaridades que os personagens configuram se complementando, em busca de um convívio harmonioso, mas a medida em que um desses polos se destaca em decorrência de fatores externos, ocorre um desequilíbrio que compromete a convivência e é onde o caos se instala. Essa mesma dinâmica também ocorre em termos de funcionamento psíquico, nos quais as polaridades vividas nos seus extremos, podem contribuir com um adoecimento psicológico e emocional.


Essa postagem tem como objetivo refletir sobre os aspectos inconscientes e simbólicos do filme, promovendo conhecimento, um espaço de reflexão e trazendo à tona a possibilidade de contribuição com a transformação interna a partir dessa obra. Vale evidenciar que se trata de uma das possíveis interpretações e compreensões, visto que essas possibilidades não se esgotam e nossa manifestação simbólica é infinita. Compartilhe suas impressões sobre o filme ou dúvidas para enriquecermos ainda mais este espaço de troca.

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